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Os dez anos da Lei do Bem

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A Lei do Bem (Lei nº 11.196, de 2005), que institui benefícios fiscais federais às atividades de inovação desenvolvidas em território nacional, completará uma década no próximo mês de novembro, mas não há clima para festejo: os incentivos fiscais foram alvo do programa de ajuste fiscal do governo federal e acabaram suspensos pela Medida Provisória (MP) nº694/15. A restrição vale apenas para o ano calendário de 2016. Não há tempo, porém, para lástima. O regime brasileiro de incentivos fiscais à inovação, estratégico num momento de crise e premência de iniciativas rumo ao desenvolvimento econômico do país, já está defasado e os esforços devem se voltar para sua evolução.

Fecha-se um ciclo de consolidação do regime, via regulamentação por meio do Decreto nº 5.798, de 2006, da Instrução Normativa nº 1.189, de 2011, e das portarias do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), como também do aprendizado da aplicação da legislação, pela difusão, no mercado, dos seus conceitos e das melhores práticas nos diversos setores da atividade econômica.

Por outro lado, a proliferação das iniciativas análogas nos diversos países do globo chama atenção para a necessidade do regime brasileiro atualizar-se para manter-se competitivo num cenário de múltiplas jurisdições disputando os investimentos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P, D & I).

Neste contexto, as discussões no Congresso Anual da Associação Fiscal Internacional transcorridas no início do mês de setembro na Basiléia, Suíça, onde as políticas de incentivo fiscal de P, D & I formaram um dos tópicos de debate, apontam os caminhos que o Brasil deve seguir se pretende se colocar como um player relevante no cenário global, como uma jurisdição fiscal atrativa para investimentos de P, D & I.

Primeira reflexão que o Brasil deve fazer é sobre uma migração de um regime de superdedução para um de crédito de imposto. As operações de P, D & I se caracterizam por elevado risco, de modo que o registro de prejuízos sucessivos é uma realidade nos primeiros anos de vida de tais projetos e não deve ser um impeditivo para a fruição dos benefícios fiscais, como hoje ocorre. A possibilidade de manutenção dos créditos não compensados para utilização em exercícios posteriores (carryforward) e mesmo de reembolso de tais valores são medidas de impacto na atratividade do regime de incentivos.

De se refletir também a uniformidade do regime brasileiro: todo contribuinte que promova inovação deve ser contemplado com benefícios, o que implica que a Lei do Bem deve deixar de se aplicar apenas a grandes empresas, optantes pelo lucro real, como hoje ocorre, para beneficiar também micro e pequenas empresas, optantes pelo Simples Nacional, trazendo, assim, para o âmbito de sua ação indutora, todo o pulsante universo de startups e pequenos empreendedores que desenvolve papel fundamental nos ecossistemas de inovação de qualquer país e que hoje está excluído do nosso sistema de estímulos fiscais.

Por fim, a possibilidade de subcontratação das atividades de P, D & I é, na gestão estratégica de ativos de propriedade intelectual dos grupos multinacionais, um aspecto decisivo na atratividade dos regimes de incentivos. Neste sentido, a legislação brasileira deve evoluir não apenas para contemplar expressamente tal possibilidade, hoje controversa, mas para conferir os devidos limites, inclusive nas operações de subcontratação intragrupo e de subcontratação internacional, impedindo, por exemplo, que duas empresas possam se apropriar de benefícios pelas mesmas atividades e despesas de P, D & I.

A necessidade de complementar os incentivos vinculados às despesas com P, D & I (inputs de inovação) com a instituição de incentivos vinculados aos rendimentos decorrentes das atividades inventivas (outputs de inovação) também é uma realidade inolvidável. Os regimes de patent box vieram para ficar: como indicam as recentes discussões no âmbito da OCDE, os regimes favorecidos de tributação da renda decorrente da criação e exploração de novas tecnologias se disseminam em todas as jurisdições fiscais relevantes e o Brasil não pode ficar alheio a tal realidade.

Nesse cenário, o Brasil, como eventual entrante tardio nessa modalidade de política, pode se beneficiar dos estudos da OCDE, em especial aqueles relacionados ao Plano de Ação Base Erosion and Profit Shifting (BEPS) nº 5, de combate a práticas fiscais prejudiciais. A OCDE, por meio da abordagem de nexo causal (modified nexus approach), formulou balizas para ancorar a aplicação dos regimes de tributação favorecida das rendas oriundas de intangíveis aos critérios de substância econômica do BEPS, de modo que a atribuição de níveis de tributação favorecido a rendas oriundas de patentes ou propriedade intelectual análoga a patentes deve estar vinculada com o efetivo desenvolvimento, pelo contribuinte, de atividades de P, D & I que deram causa aos ativos geradores da renda objeto da tributação.

O protagonismo da inovação no desenvolvimento econômico e no bem-estar da população deposita nos Estados, e não apenas no mercado, a responsabilidade de impulsionar os investimentos que afinal reverterão, sob a forma de tecnologia, em benefício de toda a sociedade.

Um dos motores deste spillover deve ser a política tributária, de modo que já não se trata mais de ter um regime de incentivos fiscais à inovação, mas sim de ter um regime de incentivos que seja competitivo no cenário internacional para que possa atrair os investimentos em tecnologia de que o país necessita. Que os percalços recentes sirvam para que se voltem as atenções a este desafio, e assim sejam o motor dos trabalhos em prol da evolução deste marco legal, rumo à consolidação de um ambiente de inventividade à altura das aspirações e do potencial do povo brasileiro.

Fonte: Aristóteles Moreira Filho para Valor Econômico

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